Como tudo que constitui novidade, a doutrina espírita
conta adeptos e contraditores. Vamos tentar responder a
algumas das objeções destes últimos, examinando o valor
dos motivos em que se apóiam sem alimentarmos, todavia,
a pretensão de convencer a todos, pois muitos há que
crêem ter sido a luz feita exclusivamente para eles. Dirigimo-
-nos aos de boa-fé, aos que não trazem idéias preconcebidas ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos
que sinceramente desejam instruir-se e lhes demonstraremos que a maior parte das objeções opostas à doutrina
promanam de incompleta observação dos fatos e de juízo
leviano e precipitadamente formado.
Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a
série progressiva dos fenômenos que deram origem a esta
doutrina.
7a pro. O primeiro fato observado foi o da movimentação de
objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome
de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno,
que parece ter sido notado primeiramente na América, ou,
melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova
que ele remonta à mais alta antiguidade, se produziu
rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos
insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. Em
seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas
outras partes do mundo. A princípio quase que só encontrou
incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a
multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe
pusessem em dúvida a realidade.
Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento
de objetos materiais, poderia explicar-se por uma causa
puramente física. Estamos longe de conhecer todos os
agentes ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos
que conhecemos: a eletricidade multiplica diariamente os
recursos que proporciona ao homem e parece destinada a
iluminar a Ciência com uma nova luz. Nada de impossível
haveria, portanto, em que a eletricidade modificada por
certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido,
fosse a causa dos movimentos observados. O fato de que a
reunião de muitas pessoas aumenta a potencialidade da
ação parecia vir em apoio dessa teoria, visto poder-se considerar o conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla, com o seu potencial na razão direta do número dos
elementos.
O movimento circular nada apresentava de extraordinário: está na Natureza. Todos os astros se movem em curvas elipsóides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor,
um reflexo do movimento geral do Universo, ou melhor,
uma causa, até então desconhecida, produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condições, uma
corrente análoga à que impele os mundos.
Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas
vezes era brusco e desordenado, sendo o objeto violentamente sacudido, derribado, levado numa direção qualquer
e, contrariamente a todas as leis da estática, levantado e
mantido em suspensão. Ainda aqui nada havia que se não
pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível.
Não vemos a eletricidade deitar por terra edifícios,
desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados corpos,
atraí-los ou repeli-los?
Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem um dos efeitos ordinários da dilatação da madeira, ou
de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser
produzidos pela acumulação de um fluido oculto: a eletricidade não produz formidáveis ruídos?
Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos
fatos puramente físicos e fisiológicos. Sem sair desse âmbito de idéias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos
sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. Por que
assim não aconteceu? É penoso dizê-lo, mas o fato deriva
de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade do espírito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras experiências não foi
alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem
tido muitas vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!
Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso
a um objeto qualquer, a idéia das mesas prevaleceu, sem
dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de
uma mesa, muito mais naturalmente do que em torno
de qualquer outro móvel, se sentam diversas pessoas. Ora,
os homens superiores são com freqüência tão pueris que
não há como ter por impossível que certos espíritos de escol hajam considerado deprimente ocuparem-se com o que
se convencionara chamar a dança das mesas. É mesmo
provável que se o fenômeno observado por Galvâni o fora
por homens vulgares e ficasse caracterizado por um nome
burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera
julgado uma indignidade ocupar-se com a dança das rãs?
Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em
que bem poderia dar-se não lhes ter ainda a Natureza dito
a última palavra, quiseram ver, para tranqüilidade de suas
consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre
lhes correspondeu à expectativa e, do fato de não se haver
produzido constantemente à vontade deles e segundo a
maneira de se comportarem na experimentação, concluíram pela negativa. Malgrado, porém, ao que decretaram, as
mesas — pois que há mesas — continuam a girar e podemos dizer com Galileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de tal modo que desfrutam hoje do direito de cidade, não mais se cogitando
senão de lhes achar uma explicação racional.
Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir
alguma coisa da circunstância de ele não se produzir de
modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de
química não estão subordinados a certas condições? Será
lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições? Que há, pois, de surpreendente em que o fenômeno
do movimento dos objetos pelo fluido humano também se
ache sujeito a determinadas condições e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu ponto de vista, pretende fazê-lo seguir a marcha que caprichosamente
lhe imponha, ou queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos
conhecidos, sem considerar que para fatos novos pode e
deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis,
preciso é que se estudem as circunstâncias em que os fatos
se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de
observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.
Objetam, porém, algumas pessoas: há freqüentemente fraudes manifestas. Perguntar-lhes-emos, em primeiro
lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não
tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mais
ou menos como o camponês que tomava por destro
escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências. Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido
verificar-se algumas vezes, constituiria isso razão para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores que se exornam com o título de físicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o caráter das pessoas e o
interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero
gracejo? Admite-se que uma pessoa se divirta por algum
tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se tornaria tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numa mistificação que se propaga de
um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras, veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa
há, com certeza, tão extraordinária, pelo menos, quanto o
próprio fenômeno.
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