As observações que aí ficam nos levam a dizer alguma
coisa acerca de outra dificuldade, a da divergência que se
nota na linguagem dos Espíritos.
Diferindo estes muito uns dos outros, do ponto de vista dos conhecimentos e da moralidade, é evidente que uma
questão pode ser por eles resolvida em sentidos opostos,
conforme a categoria que ocupam, exatamente como sucederia, entre os homens, se a propusessem ora a um sábio, ora a um ignorante, ora a um gracejador de mau gosto. O ponto essencial, temo-lo dito, é sabermos a quem nos
dirigimos.
Mas, ponderam, como se explica que os tidos por Espíritos de ordem superior nem sempre estejam de acordo?
Diremos, em primeiro lugar, que, independentemente da
causa que vimos de assinalar, outras há de molde a exercerem certa influência sobre a natureza das respostas, abstração feita da probidade dos Espíritos. Este é um ponto
capital, cuja explicação alcançaremos pelo estudo. Por isso
é que dizemos que estes estudos requerem atenção demorada, observação profunda e, sobretudo, como aliás o exigem todas as ciências humanas, continuidade e perseverança. Anos são precisos para formar-se um médico
medíocre e três quartas partes da vida para chegar-se a ser
um sábio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a
Ciência do Infinito? Ninguém, pois, se iluda: o estudo do
Espiritismo é imenso; interessa a todas as questões da
metafísica e da ordem social; é um mundo que se abre
diante de nós. Será de admirar que o efetuá-lo demande
tempo, muito tempo mesmo?
A contradição, demais, nem sempre é tão real quanto
possa parecer. Não vemos todos os dias homens que professam a mesma ciência divergirem na definição que dão
de uma coisa, quer empreguem termos diferentes, quer a
encarem de pontos de vista diversos, embora seja sempre
a mesma a idéia fundamental? Conte quem puder as definições que se têm dado de gramática! Acrescentaremos que
a forma da resposta depende muitas vezes da forma da questão. Pueril, portanto, seria apontar contradição onde freqüentemente só há diferença de palavras. Os Espíritos
superiores não se preocupam absolutamente com a forma.
Para eles, o fundo do pensamento é tudo.
Tomemos, por exemplo, a definição de alma. Carecendo este termo de uma acepção invariável, compreende-se
que os Espíritos, como nós, divirjam na definição que dela
dêem: um poderá dizer que é o princípio da vida, outro chamar-lhe centelha anímica, um terceiro afirmar que ela é
interna, que é externa, etc., tendo todos razão, cada um do
seu ponto de vista. Poder-se-á mesmo crer que alguns deles professem doutrinas materialistas e, todavia, não ser
assim. Outro tanto acontece relativamente a Deus. Será: o
princípio de todas as coisas, o criador do Universo, a inteligência suprema, o infinito, o grande Espírito, etc., etc. Em
definitivo, será sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificação dos Espíritos. Eles formam uma série ininterrupta,
desde o mais ínfimo grau até o grau superior. A classificação é, pois, arbitrária. Um, grupá-los-á em três classes,
outro em cinco, dez ou vinte, à vontade, sem que nenhum
esteja em erro. Todas as ciências humanas nos oferecem
idênticos exemplos. Cada sábio tem o seu sistema; os sistemas mudam, a Ciência, porém, não muda. Aprenda-se a
botânica pelo sistema de Linneu, ou pelo de Jussieu, ou
pelo de Tournefort, nem por isso se saberá menos botânica. Deixemos, conseguintemente, de emprestar a coisas de
pura convenção mais importância do que merecem, para
só nos atermos ao que é verdadeiramente importante e,
não raro, a reflexão fará se descubra, no que pareça disparate, uma similitude que escapara a um primeiro exame.
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